sábado, 20 de fevereiro de 2010

tic...tac...

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(English version soon)

Tic-tac. Tic-tac. Tic-tac. "Depressa: o tempo foge e arrasta-nos consigo: o momento em que falo já está longe de mim" (Nicolas Boileau).

O tempo está em vias de extinção: a procura é crescente, a oferta regular. E o relógio não pára (tica-tac-tic-tac), recusa-se a oferecer-nos sequer mais uma hora.
Todo o nosso quotidiano exige a nossa atenção e nós ansiamos apenas um tempo para nós. Será?

A maioria pensa que sim, quando pensa. Sim, porque muitas vezes deixamos a tecnologia pensar por nós. Mas já aí vamos.

Comecemos por escavar um pouco mais o assunto anterior e meditar na nossa rotina: há algum momento na tua vida em que digas "agora sim, estou sozinho(a)"? Eu não me lembro da última vez em que estive sozinha. Talvez antes do advento do telemóvel.

Não teremos medo de estarmos com o nosso eu, a nossa consciência? Do vazio? Das entre-linhas? Em casa entregamo-nos à televisão numa imagem atrás de imagem, ou à Internet, aos jogos, ao MP3, ... "Não ao silêncio! Tenho medo dos meus pensamentos. Ainda sei pensar? Alguém que pense por mim, me diga o que fazer. Goooogle!"

Os média, ou qualquer outra actividade que utilizamos para ocupar o nosso tempo, servem não só para encher a barriga de emoções, mas mais importante ainda: para nos esquivarmos de perguntas realmente importantes e que poderiam assaltar o nosso bem-estar.

(Já repararam que utilizamos a tecnologia para ter mais tempo e simultaneamente para "matar" esse tal tempo?)

Existirá um Deus? Somos mesmo responsáveis pelos nossos actos? Tenho que me sentir culpado(a) por aquilo que fiz (ou não fiz)? O que estou aqui a fazer? O que fiz com a minha vida? Vivi realmente? Tenho as minhas próprias opiniões ou deverei ser tosquiado(a)? E a morte? Ai, a morte. Será cedo, será tarde? Haverá algo depois disso? Vai doer?

Ninguém quer saber. Não me falem do oceano, uma gota já é demasiado salgada. A primeira camada da cebola já faz chorar. Tenho medo das minhas respostas: só quero ser feliz e ignorante. E para isso basta a superficialidade. Há até quem diga que «"googlar antes de twitar" é o novo "pensar antes de agir"»...

Nessa altura (antes do telemóvel e outras tecnologias) lembro-me de ter "mais tempo". Um leitor de CD's, um livro, caneta e papel eram os materiais e companheiros suficientes para me entreter. Agora tenho tudo isso no computador, ao qual se junta à Internet, e não consigo tirar daqui o rabo.

Uma única plataforma, mais rápida e, no entanto, muito menos produtiva do que seria suposto. O factor distracção aumentou proporcionalmente. E não sou a única nesta situação, há milhares como eu. Como tu? (Engraçado como num clima de sedentarismo o ideal de beleza é o 0% de gordura.)

Enganem-se os que consideram que este sentimento opressivo é relativamente recente ou fruto pecaminoso da tão amada Internet. Culpem a Revolução Industrial (já lá vão dois séculos!).

Eu também fiquei admirada ao ler que George Elliot, em 1859, dizia que o tempo livre acabou («leisure is gone»). E Nietzsche, em 1882, queixando-se que vivíamos como se fôssemos perder alguma coisa («one lives as if one might "miss out something."»). (GITLIN, Media Unlimited)

A RI obrigou os trabalhadores a produzirem a um ritmo mais rápido, para que a cidade prosperasse. Sabiam que a palavra velocidade significava isso mesmo: prosperidade? Agora é definida quase por ela mesma, um sinónimo poderá ser a acelaração.

Para além disso, actualmente trabalhamos mais horas. Já se ouviram grandes protestos relativamente a este assunto. Porém, para a maior parte, a felicidade encontra-se não no lazer, mas nos bens materiais. Curioso, não?

Mais uma reflexão. Já está enraizado na nossa mente de que dinheiro é sinónimo de felicidade. Muitas vezes é mais do que isso, gerando preconceitos. Dinheiro pode tornar-se, assim, o mesmo que beleza, ou inteligência. E até de dignidade! Mas isto são outras histórias.

O dinheiro é uma forma de poder. O poder de satisfazer não as nossas necessidades, nem sequer os nossos desejos, mas sim os nossos caprichos.

Trabalha-se a vida toda para chegar à reforma e poder viver: zero preocupações, muito tempo livre. (O_o?!)

Quando "todo o tempo do mundo" estava nas nossas mãos lutámos para poder pagar algo que nos foi oferecido e só será aproveitado depois da vida passar.

Mais meditações numa próxima paragem. Até lá!

2 comentários:

Nisa Oliveira disse...

O primeiro pensamento após a leitura deste teu post (e aliás já partilhado contigo): as aulas de gramática e as irónicas mas ao mesmo tempo sempre pertinentes reflexões do professor! É a 'googlemania' e a 'googledependência'.

Onde está a barreira entre o que é legitimo conhecer/aprender e o que não é? Estará, a meu ver, no controlo da passividade face à internet, no "sedentarismo" que é urgente vencer, no alcance de conhecimento credível.

Os new media pautam-se de benefícios óbvios mas os riscos também são bem visíveis.

C. disse...

Infelizmente, vivemos realmente numa Era do consumismo, onde podemos ver e sentir aquilo que descreveste... E por acaso de tudo o que disseste, uma coisa foi bastante pertinente: quando é que estamos sozinhos?
Hoje em dia uma pessoa que está sozinha, nem que seja um momento, é logo designada de anti-social ou antipática ou então é porque não tem amigos.
Digo-te isto até de experiência própria, porque eu sempre gostei de um tempinho para mim. Até porque eu sou praticante de Reiki e quando necessito gosto sempre de fazer a minha meditaçãozinha, para muitas vezes me acalmar ou até mesmo de colocar as ideias em ordem. E digo-te, muito sinceramente, é precisamente isto que as pessoas têm medo.
É de ficarem apenas com a cabeça delas. Ouvirem as suas ideias, os seus medos e as suas mágoas.
Digo-te, ser praticante de Reiki fez com que tivesse uma perspectiva diferente do mundo. Levá-lo com mais calma, porque esta angústia de que não temos tempo suficiente, é stressante e leva-nos ao extremo sem necessidade. Já para não falar de que necessitamos sempre de algo e esse algo passado 1 dia já não é suficiente e tem que ser mais e mais e mais... Consumismo puro!

Assim, perdemos as verdadeiras ligações, tanto com os outros como connosco próprios. E é esta última ligação que é mais importante porque se não nos conhecermos, mais ninguém nos conhecerá totalmente.

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