sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

"Definir...

é limitar."

Oscar Wilde

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Língua Portuguesa - a transformação

Este tema gerou polémica quando dei a minha opinião. Sou contra.

Quero dar-vos as minhas razões para que compreendam porque tenho esta opinião. Digo, desde já, que não pretendo ofender ninguém e que respeito a opinião de todos. Espero que façam o mesmo em relação a mim.

A primeira razão por ser contra a este mudança é por ser uma amante da Língua Portuguesa. Aliás, sou amante de todas as línguas pois considero que cada uma tem algo de especial dentro de si.

Cada língua transporta uma cultura e um modo de estar no mundo. Cada modificação nessa língua tira-lhe uma parte da sua essência.

Concordo quando dizem que uma língua precisa de evoluir para ser saudável. O que é imutável é triste, por vezes antiquado e muitas vezes acaba por transmitir aquilo que se foi e não aquilo que se é.

Contudo transformar uma língua numa variação já existente, ou ainda mais similar à já existente, custa-me a aceitar.

Na evolução da língua as consoantes mudas serão eliminadas, baptismo passará a batismo (tal como já se usa no Português do Brasil), assim como alguns acentos, dêem passa a escrever-se deem, eliminam-se hífens e outras tantas transformações.

Assim, parece-me que o Português de Portugal será quase uma imitação do Português do Brasil. A única coisa de que não gosto nesta transformação é a perda de identidade.

Não é por não gostar do Brasil, dos brasileiros ou da sua cultura. Se eles começaram com o nosso antigo português e o transformaram num língua própria, mais adequado à sua (repito) cultura e à sua própria identidade porque iremos nós fugir à nossa?

A diversidade é bela e uma fonte enorme de conhecimentos (ônibus é bem mais bonito do que autocarro e descarga bem mais agradável do que autoclismo). Brincar com as línguas é engraçado, é por isso que ler livros na sua língua original é bem mais divertido do que aqueles que são traduzidos.

Fala-se também em traduções do Português de Portugal para o Português do Brasil. Concordo! Existem muitos vocábulos, como já referi no parágrafo anterior, que diferem nas duas variações e que, uma ou outra vez, nos deixam um pouco confusos.

No entanto, e pelo que tenho conhecimento, esse tipo de traduções não são muito vulgares. Pois, no seu sentido mais básico, o Português de Portugal e o Português do Brasil são a mesma língua: o Português! Assim como acontece com o Inglês: existe o britânico, o americano, o australiano...cada um com as suas características, cada um identificando a nação em que é utilizado.

Jamais teria coragem de dizer que, pelas diferenciações existentes na escrita, que uma língua seja mais pobre que a outra. Cada uma teve as suas influências e mudou/evoluiu da forma mais adequada a elas.

"Empobrecer" uma língua, tornando-a mais parecida com outra, não é tirar mérito à segunda. É apenas tirar carácter à primeira. Vou dar um exemplo para não parecer que estou a ser injusta, rude, ou xenofobista: suponhamos que o Português de Portugal é um campo onde se semeiam batatas e cebolas e que o Português do Brasil é um campo onde se semeiam apenas batatas (e isto somente porque, iremos admitir, não gostam de cebolas). Decide-se então que, afinal, o Português de Portugal também não gosta de cebolas. Obviamente eu teria saudades das minhas saladas. :P

Por outras palavras: se a mudança fosse realizada em vocábulos (ou alimentos) em que a diferença não seria muito notada (como a beterraba, por exemplo, ou na côr que passou para cor) eu não me sentiria tão...reticente à mudança.

Mudar os hábitos de escrita é muito difícil para mim (e imagino que para muita gente). Requer uma nova aprendizagem (acho até que ficarei confusa e acabarei por não saber qual seria afinal a forma correcta de se escrever determinada palavra), requer que dê os erros da minha infância para escrever correcto.

É esta ideia que acho absurda, ter de desaprender para poder aprender. Faz-me pensar que estão a tornar a língua mais simples para que as crianças das futuras gerações não tenham de se preocupar se se esqueceram, ou não, de pôr acentos ou não terem de pensar se hoje é com 'h' ou sem 'h', entre outras hipóteses. Haverá um maior desmazelo na relação que temos com a língua, creio. E acho isso uma pena.

Na verdade, já se assiste a esse fenómeno nas conversações online e nas mensagens de telemóvel. Isto deve ser combatido! Não falo em abreviaturas, pois essas apenas nos facilitam a vida, mas nos acrescentos de letras onde estas não existem.

Não quero por isso dizer que a Língua Portuguesa se tornará menos bela ou mais pobre. A linguagem simples, ou comum, assim como a erudita, tem o poder de encantar.

Qualidade não implica palavras "caras". Isso seria o mesmo que dizer que apenas as pessoas com um capital elevado são interessantes (usualmente, até é ao contrário).

Temos imensos exemplos disso: Cesário Verde, Sophia de Mello Breyner e, sim, Mia Couto.

Mia Couto é um excelente exemplo: ele brinca com as palavras de uma forma extraordinária tornando os seus contos únicos e especiais.

Não é o português a que estou habituada, mas uma variação, que eu também não gostaria que fosse modificada. Digo o mesmo do Português do Brasil, apesar de quando leio um livro nessa variação achar estranho e me parecer que estou a ler um português mal escrito (lá está, estou habituada a outros acentos e a escrever as letras mudas) não é por isso que a recrimino.

Nunca deixei de ver um filme só porque as suas legendas estão em Português do Brasil, na maior parte das vezes até brinco com a situação. E, a maioria dos filmes que vejo até estão mesmo legendados em Português do Brasil. Quanto aos livros evito por me fazer confusão.

Bem, tudo isto para dizer que cada língua é uma riqueza e as diferenças podem sempre ser ultrapassadas: tanto pelos dicionários, como pelo contexto em que os vocábulos são usados. Se tivermos sorte, podemos pedir ajuda a um amigo para nos "traduzir" a palavra.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

o sonho

Tem-se um sonho
E com ele nasce a esperança
Sonha-se
E a vida deixa de ser feliz

Tem-se um sonho
E luta-se
Discursos e persuações
Mas não chegam...

Vão-se buscar as garras
O ódio, as armas,
A nossa última carta

Chega-se lá finalmente
Nesse último suspiro
Na brasa já a transformar-se...
Em cinza.

Mas a vida não.
A vida é arco-íris
Perfume de borboletas irrequietas
E ése feliz novamente

Com o coração meio aberto,
Meio despedaçado,
Quase curado

E aí,
Volta-se a sonhar

Tem-se um sonho
E com ele nasce a esperança...

Dezembro 2007

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

afectos

Vem do sentimento...
Dado e recebido!
É som! É silêncio...
É escrito. É lido. É dito.
Palavras ou símbolos.
Olhares e não-olhares...
Risos, lágrimas...sorrisos, gritos!
Memórias. Pensamentos. Imagens.
Rajadas de vida!
Uma flor...um pôr do sol...um luar...
Um beijo. Abraços, apertos de mão!
Um toque... Uma memória... Uma fotografia...
Um desenho. Um presente.
Um "olá!", um "como estás?", um "boa sorte!"
Um "bom dia!", um "boa noite!", um "bons sonhos..."
Uma presença.
Sinceridade.
Um acto vindo do coração!...

Escrito há 6 anos atrás para um concurso de poesia na ESM (fiquei em 2.º lugar)

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

futuro

Chegarás num arrepio
Possuirás cada pedaço de meu ser!
Num toque fugidio
Dar-me-ás a fome de viver...

Virás numa voz muda
Me mostrarás tua presença.
E numa luta após luta,
Me obrigarás à veemência!...

Nega-la-ás na obscuridade,
O teu trono de segredos,
Sangue para a tua saciedade
Sê-lo-á vendo meu medo...

E num sorriso devorador
Transformar-me-ás em cadáver!...
Esqueleto testemunhador
De um Poder inquebrável...

(de há uns 5/6 anos atrás)

terça-feira, 20 de novembro de 2007

doze vidas

Inspirou p'la primeira vez
E um cheiro augúrio encheu o ar.
Apesar de ser branca a sua tez
É negra a meta a qu'irá chegar...

Passa um segundo,
Pensa que cresce.
Mas é mais um pedaço de mundo
Que envelhece.

O seu primeiro olhar...
E a foice lá continua:
Permanece no seu altar
Trono de carne morta e crua!

Passa um minuto,
E ele conhece.
É mais um pouco do luto
De que se esquece.

Começou a ouvir -
São cantos de putrefacção -
Alma rumo ao partir,
Vai entre o sim e o não.

Passa uma hora,
A vida é medo.
P'lo futuro chora
Gotas de degredo!

Aprendeu a tocar...
Sente o rude da brevidade.
Já começou a amar
A sua vida e verdade.

Passa um dia
E encontra-se perdido.
Jaz a alegria
Num rosto pálido e f 'rido!...

Já sabe sonhar!
No encontro da solidão
Um repetido ondular
No fosso da imaginação.

Passa uma semana,
Percebe a invalidez.
Leva existência profana
Pensou duas vezes, não três...

Culpas são disparadas
À sua génese fatal,
Ideias embriagadas
Numa mente em baixo astral.

Passa um mês
Não sabe em que acreditar,
Deseja passar a vez
Na esperança de mudar.

Atinge a compreensão,
Sabe não estar sozinho,
É de mágoa o coração
Mas faz com outros o caminho.

Passa um ano,
Apercebe-se do que perdeu.
Seu ser não foi engano
Mas dor que se lhe concedeu.

Decide aproveitar o tempo,
Libertar sua vontade.
Viver momento a momento
Numa eterna continuidade.

Passou um segundo, um minuto,
Veio uma hora e um dia.
Pode não ter passado tudo
Mas um pedaço qu'existia...

Foi mais um ano-escorrega
Semanas, meses de maldição!
Um coração feito esfrega
Nas sombras de um silencioso som...

Agora sente! Toca! Prova!
Observa...Ri!...Oferece...
Tudo é coisa nova
Digno de receber sua prece.

Passa um segundo...
Pensa...que cresce.
Mas é mais um pedaço do mundo
Que envelhece!

Inspirou com um sorriso...
Se iria morrer...era porque tinha vivido!

Maio 2005

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Porque a poesia não é só escrita


Se gostaram desta esperem por ver as outras!

terça-feira, 13 de novembro de 2007

realidades

Nuances de vida
Percorrem artifícios
Da mente.
Tem-se o Universo como partida
Por entre equinócios e solstícios
E sempre um caminho diferente.

Paga-se com a vontade
O bilhete da imaginação
E se chegamos é porque queremos
Seremos o que os outros não são.

Nebulizam-se momentos
Eternamente alterados
E remexidos.
E os próximos eventos
Serão ainda inovados
Nas lutas do merecido.

Paga-se com a realidade
As voltas da suposição
E se exageramos foi porque nos perdemos
Num sonho demasiado bom...

Maio 2006

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

são voltas

Porque são voltas
Em rectas esgazeantes
Essas palavras soltas
Colocadas numa estante.

Folheiam-se almas
Com pensamentos discretos
Se dizes, se acalmas
Teu sorriso de gestos...

Sinto-me livro!
Nas páginas do teu olhar
O branco, não escrito
Que preenches ao sonhar.

Porque são voltas
(E não o que parece)
Essas palavras soltas
Que sinto e tu me deste.

Porque letra nunca é letra
E o significado nunca é um só
Porque a curva pode ser recta
E o sempre pode ser: nós!...

O livro da nossa vida...
As páginas do existir...
Passado folha lida,
Presente a escrever, futuro a vir...

Maio 2006

terça-feira, 6 de novembro de 2007

no escuro

Era uma noite maliciosa...
De estrelas pingentes
E uma lua glamorosa...

Era um solo sedento...
De flores purgadas
E relvados em constante movimento.

Era...uma faísca desenfreada:
Descarga de selvajaria natural
De um aroma a terra molhada...
Nascido num arrepiante matagal!

Era!...O sabor polifórmico
Num lençol consistente,
Um apalpar quase cósmico
Na cova amassada e quente!...

Era! O suspiro das entranhas
Da carne satisfeita e dormente,
De almas diferentes e estranhas,
De um acto longo e intermitente!

Era uma noite magnificente...
De estrelas refulgentes
E uma lua deleitante...
Era...um solo produtivo...

De flores sanguinárias
E relvado desmedido!...
Era!...

Julho 2005

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

toda a gente

Quem sabe?
O que é um pingo d'areia?...
Quem sabe?
Se é o brilhar d'uma teia?...

Sinto-me estancar, uma onda!...
A palavra que não sei...
Será curta, será longa?
Um impossível sem lei (?)...

Quem sabe?
Um aroma perdido?
Em sulcos acizentados...
Ou um texto...intensamente lido!...
(Quem sabe?)

Sei...vejo o seu fulgor!
Violentamente breve,
Anjo eclipsador...
Um dia lunar, um beijo de neve...

Quem sabe?
O sopro de um abraço?
Quem sabe?
Da eternidade, um pedaço?

O tule de olhares...
Quem sabe?
O labiar de um sorriso!...
"Seres" e "Estares",

Ouvido rude ou paladar liso...
Quem não sabe?
Se ele é nosso?
Se vem e acompanha...
Todo o nosso troço!

Sim, são momentos!
Os instantes da vida!
Solários ou tormentos
Ostentanto sua medida.

Agarramos ou escondemos,
Estacamos ou voamos...
Lembramos ou esquecemos,
Imaginamos ou criamos!...

Mas...
Quem sabe?
O que é...
Um momento???

Maio 2006

domingo, 28 de outubro de 2007

contradições

Um cubo firme.
Opaco, irregular
Metamorfose sublime!
Arrepio ao se tocar...

Objecto ignóbil
De imponente dureza
Numa luz vil
Encontrar-se-á sua fraqueza.

Derrete-se em consistência
Quando numa mão carregado:
A eterna veemência
De um liquido cristalizado.

Abaixo de um zero
Reside a sua existência
Reflectindo o mero
Colidir da importância!

Caracteriza a morte
Prende-nos nas suas garras!
Sentimento rude, forte
Faz-nos amar suas amarras...

Sorrimos na sua presença...
Pensamos encontrar a vida!
Na alegria inocente
De uma molécula escondida...

Indícios de dois elementos
Que procuramos sem cessar
Confrontando oceanos e ventos
Num mais alto patamar

Vida, que cais do céu
E te originas no mar,
Cobres-nos com teu véu
De conforto glaciar!...

Proteje e guarda!
Imobiliza e refresca...
A transparência é a farda
Do predador e da presa!...

Silencioso...e aterrador!
Catastrófico!
E fascinante...
Um bem admirador
Mas um mal agonizante...

Ser essencial
A uma vida terrena
Cresce, sendo fatal,
Como perdedor na arena...

Beleza comovente...
Em arte imortalizada!...
Num sangue dormente
De energia quebrada!

Remói-se e atira,
Envolve escondendo...
Força inibida
Num tempo pendente!...

Fica! Adormece...
Em braços de horror
Mata! esquece...
Tua alma de dor!...

Setembro 2004

sábado, 27 de outubro de 2007

diálogos

O brilho.
Um som.
O estrilho.
Um palpitar de coração.

Tocou-lhe,
Objecto fino e delgado,
Paralisou-a
Num olhar assustado.

Um sorriso escarnecedor
Uma carícia em sua face
Um sentimento enojador
Um homem pobre, sem classe

E num rápido movimento
Executou a sua acção
Matou vida e pensamento
Sem dó nem emoção

Um corpo cai desamparado
Toca, sem sentir, o chão
Um inocente mal-amado
Conheceu o ódio de um 'Não'

Uma pergunta ameaçadora.
Uma resposta inacertada.
Uma morte aterrorizadora
Uma vida de nada...

Agosto 2004

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

cortes

Pensava serem facadas
Que a feriam e matavam
Mas eram colheres preocupadas
Que a protegiam...e amavam!

Pensava serem o mural
Que a afastavam da felicidade:
Só era o medo capital
De uma vida de leviandade!

Pensava!
Mas nunca foi...
Não gostava de o saber.
A verdade às vezes dói,
É difícil de reconhecer...

Ela, o cortante objecto
Por suas mãos se fazia sofrer,
Ela: o mural sem afecto
Onde se resignava esconder!...

Culpada, não queria acreditar...
Sofrida: assim não poderia ser!
Calada. Silêncio com voz de matar...
Ressequida! Na pele que há-de morrer!...

Agosto 2004

terça-feira, 23 de outubro de 2007

seres do amanhã

Piam em facadas
Que os fazem renascer.
Assobiam em pegadas
Que o caminho teima em escurecer...

Farejam almas perdidas
Na loucura de um corpo são.
Arrepiam chamas vivas
Em mistérios de podridão!

Sonham em dias de Ontem,
No crepúsculo do Amanhã.
Soltam-nos para que voltem
E novamente pertençam ao clã.

Seres que nada são,
Seres que nada têm.
Seres que nunca vão,
Seres que sempre vêem!...

Agosto 2004

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

senti-te!...

Nessa estalada de água fria
Com sabor a lentidão
Nessa boca radiante, que ria,
Essa frágil mão...

Que o parecia ser
Mas não, eu senti-a!
Bem colada ao corpo que fez arder
Essa pele macia...

-Sofre, chora
Experimenta o amor
Sente-o agora
Na alegria da dor-

Gritei de loucura:
Queria-te como nunca
Essa doce fervura
Da nossa vida junta

Beija-me, arrepia-me uma vez mais
Um gesto doce e demorado
Repetidos cem vezes 'ais'
Esse beijo: cada vez mais desejado...

Agosto 2004

sábado, 13 de outubro de 2007

linhas mortíferas

A linha que traça a vida:
Que a mata.
Lhe dá guarida.
Nunca a verei...

A linha que me conduz,
Me ofusca.
Me mostra a luz:
Sempre a senti!

O início que me dita o destino...
NUNCA o pedi!...
Nem sempre o quis...
Não o quero deixar!!!...

O fim que se aproxima.
Já o chamei,
Por ele chorei...
Não o quero meu...

Essa linha que traça a vida...

Agosto 2004

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

eles e os outros

Era o fim de uma tarde de Inverno. Eles estavam juntos, numa praia deserta, a ver o pôr do sol.

Andavam sempre escondidos, com medo de serem vistos, com medo das reacções. Enfim...viviam uma vida feliz de infelicidade...

Quando os pais souberam expulsaram-nos, renegaram-nos e agora vivem (ou será melhor dizer sobrevivem?) numa rua de lágrimas, carícias, desabafos naquela praia deserta 2de Inverno...

Vivem da pesca, vivem da chuva, das algas e estão magros, que magros estão! Cara doentia, pálida...quem os vê murmura: "Mais um par que escolheu o caminho da Morte...da Droga...", mas não, a sua única droga é a vida...

Se passeiam em locais públicos, os "grandes" apontam o dedo, os "pequenos" gozam, os mais velhos abanam a cabeça, os cafés fecham-lhes as portas e não conseguem arranjar trabalho fixo.

Mas um dia o sol brilhou e conheceram gente como eles, também assim menosprezados, rejeitados. E formaram um grupo e lutaram e mostraram os seus sentimentos!

A população não escutou, o padre lá da aldeia criticou. E eles eram alvejados com comentários depreciativos, com olhares ameaçadores.

Às vezes, magoados, respondiam. Agora já nem ligam, ambos criaram uma barreira entre "os desiguais" e o "mundo".

O seu objectivo é quebrar essa barreira e com ela a palavra "diferença", afinal o que é a "diferença"? Não seremos nós todos diferentes? Que terão eles mais de diferente que nós?

O grupo foi aumentando e, talvez por isso, baptizado: já não são apenas "os desiguais", são "Os não(In)diferentes"!

Sessões organizadas, assistidas, anunciadas. Protestos realizados, direitos proclamados. Mas sempre, sempre renunciados...

Cartazes criados, uma luta interminável. E agora são ouvidos, com um ouvir de troça. Por vezes defendidos por quem tem algum coração.

Conseguiram apoio, pouco, mas já é alguma coisa. Um apoio que se tornou forte, que se tornou invencível. Um apoio que mudou muitas perspectivas, muitas ideias formadas (a maior parte delas erradas). Um apoio de um comerciante com um coração de ouro, e, quem sabe se os olhos também o não eram...e se fosse um comerciante qualquer! Este era candidato a presidente da junta...

Começaram pelo padre. Se há alguém que toda a gente ouça, toda a gente siga é a ele. Convencendo-o, convence-se a maior parte do povo.

O padre resistiu mas acabou por ceder, agora já podiam assistir à missa, já podem comungar, já podem confessar, mas casamentos não. "É inadmissível!", disse o padre, "De maneira nenhuma!".

O povo escandalizou-se, resmungou, protestou. O padre acalmou-os, explicou, convenceu.

Um pequeno café decidiu aliar-se ao grupo, alugando o estabelecimento para a realização das sessões. Numa dessas sessões um dos pares lembrou-se que poderiam organizar uma palestra com vista a tirarem as possíveis dúvidas que o povo teria. Fez-se uma votação. O voto foi unânime: todos concordaram.

Desta vez não foram precisos cartazes, a mensagem foi transmitida de "boca em boca". Apenas se fixou um aviso na igreja, porque já se sabe, quem conta um conto...

A data marcada foi um Sábado, dia em que ninguém trabalha, também se poderia escolher o Domingo mas é dia santo, toda a gente vai à missa...e, toda a gente sabe, numa aldeia, nem vale a pena fazer concorrência ao padre, o grupo sairia a perder...

Desta vez fizeram sucesso. A maior parte da aldeia apareceu, alguns apenas para gozar (como já é costume), mas pode-se dizer que valeu a pena. Toda a gente saiu esclarecida e com vontade de mudar as suas atitudes. Muitas outras, como esta, foram realizadas, algumas mais satisfatórias que outras. Mas já quase passam despercebidos nas ruas, mesmo assim há sempre alguém a olhar, a cochichar...

Arranjam trabalho tão facilmente como os outros, aqueles outros que, para mim, nem são outros, porque ainda não descobri uma diferença tal que os possa diferenciar, dividir em dois grupos.

Os filhos renegados voltaram a casa, conversaram, dialogaram e reataram os laços familiares, agora mais fortes que nunca.

O grupo já não é formado somente pelos considerados "diferentes", mas também por toda a gente que os apoia, tais como pais, amigos, conhecidos.

Um ano passou, um ano repleto de lutas, um ano repleto de mudanças. Não todas as desejadas...ainda há muita gebte "presa" às Leis de Deus...

O comerciante conseguiu atingir o seu objectivo. Alegando ter ajudado muita gente desprezada, foi eleito presidente.

A barreira que tinha sido construída pelos dois "grupos" começou a ruir aos poucos e poucos, quem sabe se, algum dia, essa barreira desaparecerá...

Mas quem será este grupo misterioso que era, e talvez ainda seja, desprezado, "diferente", que, segundo alguns, não obedecia às Leis de Deus, e, por isso, não se podia casar?

Que pessoas são estas que não podem demonstrar os seus sentimentos em público com receio de serem criticadas? QUEM? PORQUÊ?

Era o fim de uma tarde de Inverno...Eles estavam juntos, numa praia deserta, a ver o pôr do sol. Naquela praia deserta de Inverno...

Outubro 2001

*************************************************************************************

Este foi o meu primeiro conto. Escrevi-o para participar no concurso "Uma aventura literária", da Caminho.

O tema era "Eu e os outros" e saiu-me isto. Na altura a ideia de as pessoas renegarem os homossexuais irritava-me, por isso passei os meus sentimentos para o papel.

Nos comentários tenham em consideração de que este texto foi escrito há 6 anos atrás, ou seja, eu ainda estava muito verdinha em termos de escrita.

Tenho um carinho muito especial por este texto pois foi com ele que ganhei uma Menção Honrosa, apesar de ter a perfeita noção de que se tivesse de o reescrever muita coisa seria mudada.

Agora as vossas opiniões. :)

esfera

Arqueio-me em momentos lunares
Nos jeitos terrestres de um sonhador
E no enlaçe dos "seres" e dos "estares"
Partilho-me entre perfumes e cor.

A branquidão que ofusca a alma
Deixa um desejo no olhar.
Concentro-me em serenidade e calma
Em janelas do meu lar...

Dividida em teus quatro quartos,
És completa em misticidades.
Ovulada em carinhos e factos
Ficaste-me em futuras saudades...

Aposento-me nas tuas crateras,
Delicio-me com os teus mares.
Esfera por entre as esferas...
Altar dos meus altares!

Outubro 2006

pingos de tinta

Cá estou eu com mais um blog. Este serve para alojar todos os meus textos e poemas, porque a escrita é outra das minhas grandes paixões.

Espero que gostem e, quem sabe, vos inspira também...

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